segunda-feira, fevereiro 19, 2007

Tratado do Signo Visual

Depois de ler Le signe visuel do Grupo µ, lembrei-me do poema Liberdade de Fernando Pessoa, para mim, um grande mestre do pensamento.

Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não o fazer!
Ler é maçada,
Estudar é nada.
O sol doira
Sem literatura.
O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como tem tempo não tem pressa…

Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.

Quanto é melhor, quando há bruma,
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!

Grande é a poesia, a bondade e as danças…
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar seca.

O mais do que tudo isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca…

E agora, que já desabafei, apoiada em Pessoa, posso voltar à reflexão sobre o signo visual.

O Grupo µ, reconhece a dificuldade de generalizar o código plástico porque ele mobiliza valores extremamente variáveis e reconhece que as análises plásticas só são possíveis com uma bateria de contrastes ou oposições estruturais, referentes às formas, às cores e às texturas (claro/escuro; liso/granulado; fechado/aberto; etc.).


Assim, um signo plástico pode ser examinado do ponto de vista das formas, das cores, das texturas e do conjunto formado pelas formas, pelas cores e pelas texturas.
Mas pode ainda ser observado na relação entre a expressão e o conteúdo.
Para descrever com a maior precisão possível a estrutura interna do significante plástico, o Grupo µ, recorreu à tríade: forma, substância e matéria.
O Grupo µ, chama às formas, às cores e às texturas as grandes famílias do signo plástico e procura dar uma gramática dos significantes e de mostrar como estes se associam aos significados. Comparando a linguística com a plástica, cita Odin (1976) para quem a semiótica plástica tem significados estáveis, que constituem o seu reportório.
O Grupo µ, lembra que nos foi ensinado que não há nenhuma forma real desprovida de cor e de texto (pag. 217); a forma que se define por três parâmetros: posição, orientação e dimensão e que o Grupo µ, reconhece como um semanticismo secundário complexo.


O que nós vemos das coisas são coisas.
Porque veríamos nós uma coisa se houvesse outra?
Porque é que ver e ouvir seria iludirmo-nos
Se ver e ouvir são ver e ouvir?

O essencial é saber ver,
Saber ver sem estar a pensar,
Saber ver quando se vê,
E nem pensar quando se vê,
Nem ver quando se pensa.

Mas isso (triste de nós que trazemos a alma vestida!),
Isso exige um estudo profundo,
Uma aprendizagem de desaprender
E uma sequestração na liberdade daquele convento
De que os poetas dizem que as estrelas são as freiras eternas
E as flores as penitentes convictas de um só dia,
Mas onde afinal as estrelas não são senão estrelas
Nem as flores senão flores,
Sendo por isso que lhes chamamos estrelas e flores.

Poema de Alberto Caeiro, um dos heterónimos de Fernando Pessoa

Salto para a cor, que o Grupo µ, diz ser a última das componentes do signo plástico e que, isolada é um modelo teórico. A cor que só tem existência empírica quando associada ao signo plástico, à forma e à textura.
Recapitulando as ideias mestras: o signo plástico integra a forma, a cor e a textura, que interagem com a nossa forma de ver.
O Grupo µ, ao falar da oposição cor/forma, cita Suares (1946) “ a cor é o signo da vida; a linha é o signo do estilo (…) e passar da linha à cor, é como passar da matéria ao espírito (…)” e, a propósito ainda desta oposição cor/forma, cita Arnheim (1976) para dizer que a forma é um meio de comunicação mais eficaz do que a cor; que a estrutura provoca a actividade cerebral mais racional e que a cor, superior à forma, é veiculo de expressão. Afecta os espíritos receptivos e passivos. Assim é que o azul nos lembra o mar ou o céu; o verde nos recorda as plantas e as copas das árvores em cada primavera, o amarelo nos sugere a areia do deserto ou à luz do Sol. Também associamos as cores às sensações de frio, de cor, e outras…


Tudo o que faço ou medito
Fica sempre pela metade.
Querendo, quero o infinito.
Fazendo, nada é verdade.

...Fernando Pessoa

1 Comments:

Blogger marta said...

Olá! O blog está muito interessante, adoro as imagens, especialmente a do elefante colorido... simboliza tudo o que escreveste! :0)
Quanto às poesias, lindas! Tb eu adoro Pessoa.
beijos

10:15 da tarde  

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